Patrícia Sandri
Saúde Mental dos Motoristas Profissionais: Riscos Psicossociais, Consequências e Estratégias de Intervenção
Resumo
Este artigo investiga os fatores que afetam a saúde mental dos motoristas profissionais, com ênfase nos riscos psicossociais associados à profissão, como estresse, fadiga, ansiedade e depressão. Por meio de uma revisão integrativa da literatura, discutem-se as consequências individuais e coletivas desses transtornos, bem como estratégias de prevenção e intervenção possíveis. Os achados destacam a necessidade de políticas públicas voltadas à promoção da saúde mental no contexto do trabalho rodoviário e da segurança viária.
1. Introdução
A atividade de conduzir veículos profissionalmente é marcada por condições de trabalho que impõem exigências físicas, cognitivas e emocionais intensas. Motoristas profissionais — como caminhoneiros, motoristas de ônibus, táxi ou transporte por aplicativo — estão submetidos a longas jornadas, pressões por produtividade, privação de sono, riscos constantes de acidentes e, muitas vezes, à precarização das relações de trabalho. Esses fatores contribuem significativamente para o surgimento e agravamento de quadros de sofrimento psíquico e transtornos mentais.
Estudos nacionais e internacionais apontam uma alta prevalência de sintomas como ansiedade, depressão, distúrbios do sono e uso abusivo de substâncias entre motoristas profissionais. Tais condições não apenas afetam a saúde e a qualidade de vida desses trabalhadores, mas também representam riscos à segurança viária, uma vez que comprometem funções cognitivas essenciais à direção segura, como atenção, tomada de decisão e controle emocional.
Embora se reconheça a importância dos aspectos físicos e mecânicos no trânsito, a saúde mental dos condutores ainda é um tema pouco debatido nas políticas públicas de mobilidade e saúde ocupacional. Diante disso, o presente artigo tem como objetivo examinar os principais fatores psicossociais associados ao adoecimento mental de motoristas profissionais, discutindo suas implicações para a segurança no trânsito e para a formulação de estratégias de prevenção e promoção da saúde no contexto laboral.
2. Referencial Teórico
A saúde mental no trabalho é um campo multidisciplinar que compreende os impactos das condições laborais sobre o equilíbrio psíquico dos trabalhadores. Na perspectiva da psicodinâmica do trabalho, proposta por Christophe Dejours (1992), o trabalho pode ser uma fonte tanto de sofrimento quanto de realização, dependendo da forma como o sujeito consegue transformar as exigências da tarefa em sentido e reconhecimento. Quando há desequilíbrio entre esforço e recompensa, ou quando o trabalhador não dispõe de meios simbólicos e sociais para lidar com a pressão cotidiana, o sofrimento tende a se cristalizar e gerar adoecimento psíquico.
No caso dos motoristas profissionais, esse processo é agravado por diversos fatores psicossociais. De acordo com estudos em saúde do trabalhador, jornadas exaustivas, ritmo de trabalho acelerado, isolamento social, remuneração por produtividade, insegurança nas estradas e ausência de apoio institucional configuram um ambiente de risco elevado para o comprometimento da saúde mental. A ausência de pausas, a má qualidade do sono e a exposição a situações de violência ou acidentes intensificam esse quadro.
Além disso, a literatura epidemiológica evidencia altas taxas de ansiedade, depressão, estresse pós-traumático e uso abusivo de substâncias psicoativas entre motoristas profissionais. Segundo uma revisão de Silva et al. (2020), motoristas de transporte rodoviário de cargas apresentam taxas de sintomas depressivos entre 20% e 30%, com associações significativas ao consumo de álcool, à fadiga crônica e à sensação de solidão. Outro estudo, de Ferreira et al. (2018), mostra que motoristas de ônibus urbanos relatam altos níveis de estresse, frequentemente relacionados à violência urbana, à sobrecarga de trabalho e à pressão dos horários.
3. Metodologia
Este estudo adota o método de revisão integrativa da literatura, que permite reunir, descrever, analisar e sintetizar resultados de pesquisas anteriores sobre um fenômeno específico, com o objetivo de oferecer uma compreensão ampla e crítica do tema (Whittemore & Knafl, 2005).
A pergunta que orienta esta revisão é: quais são os principais fatores psicossociais associados à saúde mental de motoristas profissionais?
A coleta de dados foi realizada nas bases SciELO, PubMed, LILACS e Google Scholar, entre fevereiro e março de 2025. Foram utilizados os seguintes descritores: “saúde mental” AND “motoristas profissionais”, “sofrimento psíquico” AND “trabalho” AND “condutores”, “mental health” AND “professional drivers” e “occupational stress” AND “truck drivers”.
Foram incluídos artigos publicados entre 2013 e 2024, disponíveis em português, inglês ou espanhol, com foco em saúde mental de motoristas profissionais. Excluíram-se estudos com foco exclusivo em acidentes de trânsito, teses não publicadas e artigos duplicados.
As informações extraídas incluíram: ano, país, tipo de estudo, população investigada, principais achados sobre saúde mental, fatores de risco e estratégias de intervenção. A análise foi qualitativa e descritiva.
4. Resultados e Discussão
Foram incluídos 18 artigos publicados entre 2013 e 2024. Os principais achados foram:
– Alta prevalência de sintomas de estresse, ansiedade e depressão
– Fatores psicossociais recorrentes: jornada excessiva, privação de sono, baixa autonomia, isolamento, risco de acidentes e violência
– Uso frequente de substâncias psicoativas (álcool, anfetaminas, sedativos) como forma de enfrentamento
Esses dados evidenciam o sofrimento ético e organizacional descrito por Dejours, no qual a perda de sentido e reconhecimento favorece o adoecimento. Há também uma carência de políticas públicas e ações institucionais voltadas à promoção da saúde mental desses trabalhadores.
5. Considerações Finais
Motoristas profissionais estão expostos a diversos fatores psicossociais que afetam negativamente sua saúde mental. A literatura aponta alta prevalência de sofrimento psíquico, uso de substâncias e comprometimento da qualidade de vida.
É urgente implementar políticas públicas integradas que articulem saúde mental, segurança viária e condições dignas de trabalho. Também se recomenda o desenvolvimento de programas preventivos, ações educativas e suporte psicossocial.
Novas pesquisas, especialmente qualitativas, podem aprofundar a compreensão dos efeitos subjetivos do trabalho na saúde mental dos motoristas profissionais.
Referências
DEJOURS, Christophe. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. 5. ed. São Paulo: Cortez, 1992.
FERREIRA, T. C. et al. Estresse ocupacional em motoristas de ônibus urbanos: fatores associados e consequências para a saúde. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, v. 43, e5, 2018.
MINAYO-GOMEZ, C.; THEDIM-COSTA, S. M. F. A construção do campo da saúde do trabalhador: percurso e dilemas. Cadernos de Saúde Pública, v. 13, supl. 2, p. 21–32, 1997.
SILVA, A. A. et al. Transtornos mentais comuns em motoristas de caminhão: prevalência e fatores associados. Ciência & Saúde Coletiva, v. 25, n. 11, p. 4565-4574, 2020.
SOUZA, A. P. R. de et al. Uso de substâncias psicoativas por caminhoneiros no Brasil: uma revisão integrativa. Revista de Enfermagem UFPE on line, v. 11, supl. 12, p. 5368–5376, 2017.
WHITTEMORE, R.; KNAFL, K. The integrative review: updated methodology. Journal of Advanced Nursing, v. 52, n. 5, p. 546–553, 2005.
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