Motora AI

Resumo: O artigo aprofunda a discussão sobre por que os acidentes no transporte rodoviário de cargas acontecem, mostrando que eles não são “fatalidades”, mas resultado de uma combinação de fatores gerenciáveis, como escolhas de embarcadores e transportadores, qualidade de procedimentos, seleção e capacitação de pessoas, condições dos equipamentos, uso adequado de tecnologia, liderança e gestão de consequências. A partir da distinção entre acidentes controláveis e não controláveis, o texto reforça a ideia de corresponsabilidade na cadeia logística e evidencia que a maioria dos sinistros poderia ser evitada ou ter seus impactos reduzidos com uma cultura de segurança consistente, baseada em critérios técnicos na contratação, manutenção rigorosa da frota, treinamento contínuo, monitoramento de comportamentos e liderança coerente com o discurso de SSMA. A conclusão aponta para uma necessária mudança de mindset: sair do campo do fatalismo e assumir a segurança como diferencial competitivo e valor central do negócio, em que cada decisão – do frete contratado à forma de liderar – influencia diretamente na preservação de vidas, na reputação e na sustentabilidade das operações de transporte.

Introdução

A segurança rodoviária é, há décadas, um verdadeiro desafio para o setor de transporte no Brasil. Dados recentes revelam que, em 2020, foram registrados mais de 63 mil acidentes em rodovias federais, com cerca de 5 mil vidas perdidas, custando à sociedade brasileira mais de R$ 10 bilhões[2]. Apesar de avanços, vemos que os acidentes envolvendo transporte de cargas continuam impactando negativamente vidas, reputação e resultados. Mas, afinal, por que os acidentes acontecem? E, principalmente, o que embarcadores, transportadores e gestores podem – e devem – fazer para mudar esse cenário?

Este artigo busca trazer um novo mindset: o acidente não é um evento imponderável; ele pode e deve ser gerenciado como qualquer outro risco do negócio. A mudança começa quando compreendemos que empresas e profissionais do transporte são agentes ativos – e, muitas vezes, corresponsáveis – na ocorrência (ou prevenção) de acidentes.

Responsabilidade Compartilhada: Embarcadores, Transportadores e a Corresponsabilidade

No Brasil, é comum que o debate sobre acidentes de trânsito recaia unicamente sobre motoristas e empresas de transporte. No entanto, a cadeia logística é muito mais ampla e complexa. O embarcador, ao contratar um transportador, assume também uma parte da responsabilidade – ainda que indireta – pela segurança da operação.

Responsabilidade solidária ou subsidiária do embarcador não é apenas uma previsão legal. É consequência de uma escolha estratégica: ao selecionar um prestador de serviço, o embarcador deve considerar não apenas o frete, mas o nível de segurança, gestão, treinamento e cultura de prevenção do parceiro. Quando a escolha é feita somente pelo menor preço, ignorando indicadores de segurança, o risco de acidentes sobe – e o embarcador pode ser cobrado judicialmente por essa negligência.

Isso significa que, mesmo que o acidente ocorra fora das instalações do embarcador, ele é sim corresponsável pelo ocorrido, na medida em que poderia – e deveria – ter escolhido melhor.

Adicione o texto do seu título aqui

Ser capaz de classificar os acidentes é fundamental para uma gestão de risco efetiva. Propomos aqui uma divisão clara:

  • Acidentes controláveis: São aqueles em que embarcador e transportador têm responsabilidade direta ou indireta pela ocorrência. Acontecem, em geral, por falhas de gestão, descumprimento de procedimentos, falta de capacitação, seleção inadequada de profissionais ou parceiros, ou comportamentos inseguros do condutor. Em outras palavras, esses acidentes poderiam ser evitados ou seus impactos minimizados com gestão eficiente e cultura preventiva.
  • Acidentes não controláveis: São eventos sobre os quais as empresas não têm influência direta, como desastres naturais, falhas de infraestrutura pública (rodovias mal conservadas, sinalização precária, obras mal executadas), ou incidentes causados por terceiros. No entanto, mesmo estes podem ser antecipados, mitigados ou ter seus efeitos reduzidos por uma postura proativa.

Vale lembrar: muitas das causas ditas “não controláveis” são, na verdade, passíveis de intervenção pelo poder público ou por políticas de pressão setorial. Ou seja, empresas podem e devem cobrar dos órgãos responsáveis a melhoria das rodovias e da fiscalização.

Análise das Principais Causas dos Acidentes

A seguir, discuto cada fator relevante que contribui para acidentes no transporte de cargas, com base em dados oficiais, experiências de mercado e casos reais.

Causa

Descrição

Impacto

Procedimentos

Ausência ou descumprimento de procedimentos operacionais claros e conhecidos por todos.

Insegurança, dúvidas, inconsistências na tomada de decisão, maior risco de acidentes.

Equipamentos

Frota inadequada, sem manutenção preventiva, inspeção ineficiente.

Falhas mecânicas, avarias, colisões, capotamentos, aumento do risco de acidentes graves.

Seleção de Pessoas

Processos seletivos fracos, sem foco em hard skills e soft skills De diversos profissionais, inclusive do motorista.

Contratação de perfis inadequados, ampliação da ocorrência de desvios de comportamento.

Seleção de Transportadoras

Homologação baseada apenas em preço, sem critérios de segurança.

Parcerias de alto risco, aumento de acidentes, reclamações, multas e atrasos.

Capacitação e Habilidade

Falta de treinamentos adequados, ausência de matriz de competências.

Profissionais inadequados, erros recorrentes, dificuldade de resposta a emergências.

Liderança

Falta de compromisso da liderança com a cultura de segurança.

Desalinhamento entre discurso e prática, disseminação de maus exemplos.

Tecnologia

Implementação sem capacitação, ausência de integração com gestão.

Equipamentos sofisticados, mas subutilizados ou mal geridos, aumentando o risco.

Comportamento do Indivíduo

Atitudes inseguras, excesso de confiança, resistência a mudança.

Maioria dos acidentes tem alguma relação com o comportamento humano.

Gestão de Consequências

Falta de reconhecimento de boas práticas e intervenção nos desvios.

Ausência de estímulo para a segurança, padronização de práticas inseguras.

Procedimentos: A Base para Decisões Seguras

A ausência de procedimentos claros é um dos maiores geradores de insegurança no transporte. No Brasil, muitas empresas ainda operam com manuais que só existem no papel, sem serem vistos como verdadeiros guias para a ação. Exemplo clássico: o limite de velocidade é estabelecido em 80 km/h, mas os motoristas não cumprem – e a fiscalização não age. O resultado é o que chamamos de “lei morta”, que, além de não proteger, gera desconfiança na equipe.

Empresas maduras em segurança não apenas escrevem procedimentos, mas os transformam em cultura, monitorando o cumprimento e ajustando sempre que necessário. O desafio é tornar a regra clara, simples e aplicável ao dia a dia.

Equipamentos: A Máquina Certa, no Status Certo

O caminhão é, literalmente, o local de trabalho do motorista. Quando a empresa não dispõe de veículos adequados, com processos robustos de inspeção e manutenção, o risco de acidentes dispara. Falhas mecânicas, pneus carecas, freios desregulados, suspensão comprometida – tudo isso é controlável, mas exige investimento e gestão.

Aqui, a responsabilidade é direta: a empresa deve fornecer equipamentos seguros e garantir que eles estejam aptos para o serviço. Isso inclui o tipo de carga e as condições do veículo, até o acompanhamento sistemático da manutenção.

Seleção de Pessoas e Empresas: A Origem dos Problemas

O processo de seleção é o primeiro filtro para garantir segurança. Isso vale tanto para motoristas quanto para gestores, pessoal de RH e mecânicos. Quanto mais fraca a seleção, maior o risco de erros em cascata.

Motoristas: É fundamental mapear não apenas as habilidades técnicas, mas também as competências comportamentais. Motoristas experientes, porém resistentes a normas, podem ser mais perigosos do que inexperientes com perfil aberto ao aprendizado.

Empresas contratadas: A homologação de transportadores deve levar em conta indicadores de segurança, histórico de acidentes, treinamentos oferecidos, tecnologia embarcada e cultura da empresa. Contratar pelo frete mais baixo, ignorando a segurança, é uma aposta arriscada – e custosa no longo prazo.

Capacitação e Habilidade: Muito Além da Carteira de Habilitação

Ter procedimentos não garante segurança se as pessoas não souberem aplicá-los. O treinamento deve ser contínuo, abrangendo desde o uso correto dos equipamentos até o desenvolvimento de soft skills, como comunicação, resiliência e tomada de decisão sob pressão.

A experiência é importante, mas pode ser enganosa. O fato de “sempre ter feito assim” não significa que está certo. A empresa precisa avaliar constantemente as competências de sua equipe, promovendo reciclagens, simulações e feedbacks constantes.

Liderança: O Exemplo que Faz a Diferença

A cultura de uma empresa é criada a partir do exemplo dos líderes. Quando a alta gestão não acredita – ou não pratica – o que prega, a mensagem é clara: segurança é apenas um discurso.

O famoso “walk the talk” é essencial. O líder que dá o exemplo, que participa dos treinamentos, que reconhece bons comportamentos e intervém nos desvios, constrói uma cultura de segurança consistente. Por outro lado, a liderança ausente ou incoerente abre espaço para o “jeitinho” e para práticas inseguras.

Tecnologia: Ferramenta, Não Solução Mágica

A tecnologia pode ser um grande aliado, mas não resolve problemas sozinha. Frotas equipadas com rastreamento, telemetria, câmeras e sistemas de frenagem avançada são mais seguras, mas apenas se houver gestão ativa desses dados.

O oposto também é verdadeiro: tecnologias mal implementadas, sem capacitação da equipe, podem até aumentar o risco, criando falsa sensação de segurança. O investimento em tecnologia deve ser acompanhado de treinamento, monitoramento e revisão constante dos processos.

Comportamento do Indivíduo: O Fator Humano

A maioria dos acidentes está relacionada ao comportamento das pessoas[5]. No entanto, o indivíduo não age isolado: ele é influenciado pela cultura da empresa, pelo exemplo dos colegas, pela pressão por produtividade e pela qualidade da gestão.

É preciso entender por que profissionais adotam atalhos, ignoram regras ou resistem a mudanças. Muitas vezes, isso ocorre porque o “certo” exige mais esforço ou tempo, ou porque nunca houve consequências para o desvio. A empresa deve agir sobre esses fatores, promovendo diálogo, reconhecimento e consequências justas para comportamentos inseguros.

Gestão de Consequências: Reconhecer e Intervir

A ausência de gestão de consequências é um dos maiores motivadores de comportamentos inseguros. Quando as pessoas percebem que não há reconhecimento para quem age corretamente, nem intervenção para quem desvia, a tendência é a padronização do risco.

O reconhecimento deve ser público, frequente e relevante. Já a intervenção nos desvios precisa ser justa, transparente e focada no aprendizado. O objetivo não é punir, mas educar e evitar a repetição do erro.

Mudança de Mindset: O Caminho para a Segurança Efetiva

A discussão sobre acidentes no transporte de cargas precisa sair do campo do fatalismo e entrar no da gestão. Empresários, executivos e gestores do setor devem enxergar a segurança como um diferencial competitivo, um fator crítico de sucesso que impacta diretamente nos resultados, na reputação e na sustentabilidade do negócio.

A mudança começa com a corresponsabilização: embarcadores e transportadores são parceiros na prevenção, não antagonistas. Passa pela transparência: só se gerencia o que se mede, e dados confiáveis são a base para decisões estratégicas[2]. E se consolida com cultura: segurança não é um departamento, é um valor compartilhado por todos.

“Reduzir o número e a gravidade dos acidentes rodoviários é promover o transporte no país, com benefícios claros à economia e à sociedade. Assim, desenvolver ações voltadas à melhoria das condições viárias, à capacitação dos motoristas e à segurança veicular são a melhor estratégia para a superação desse grave problema”[2].

Considerações Finais

Os acidentes no transporte de cargas são, em sua maioria, previsíveis e evitáveis. A solução não está em buscar culpados, mas em assumir responsabilidades, promover a gestão de riscos e investir continuamente em pessoas, processos e tecnologia.

O paradigma precisa mudar: não é mais uma questão de “se” um acidente vai acontecer, mas de “o que estamos fazendo para evitar”. Essa mudança de perspectiva é o primeiro passo para um setor mais seguro, eficiente e responsável.

A segurança rodoviária é responsabilidade de todos — embarcadores, transportadores, gestores e líderes. Convido você, gestor ou empresário, a refletir honestamente sobre os processos, escolhas e comportamentos que moldam a cultura de segurança em sua organização.

Pergunte-se: estamos realmente fazendo tudo que está ao nosso alcance para evitar acidentes, ou estamos apenas cumprindo formalidades?

A inovação, a revisão crítica de procedimentos, a capacitação constante e o exemplo da liderança são pilares que constroem ambientes seguros e sustentáveis. Não espere que a mudança venha de fora: seja o agente dessa transformação.

Comprometa-se hoje com a melhoria contínua. Avalie, questione, envolva sua equipe e implemente ações concretas. Cada decisão conta.

Segurança rodoviária não é custo, é valor, é reputação e é vida preservada. O futuro do transporte responsável começa agora, pelas nossas atitudes.

👉 Você acredita que reconhecer a corresponsabilidade entre embarcadores, transportadores e gestores, diferenciar com clareza acidentes controláveis e não controláveis e atuar diretamente sobre causas como procedimentos frágeis, seleção inadequada de pessoas e parceiros, liderança omissa, uso pouco estratégico de tecnologia e ausência de gestão de consequências é hoje o caminho mais urgente e inteligente para reduzir acidentes, proteger vidas e fortalecer a sustentabilidade do transporte rodoviário de cargas?

Deixe sua opinião nos comentários! Sua visão pode inspirar outras empresas a saírem do discurso e partirem para a prática, assumindo a segurança como valor central do negócio e investindo, de forma contínua, em pessoas, processos e tecnologia — não para buscar culpados depois do sinistro, mas para evitar que ele aconteça, preservando o patrimônio humano, material e a reputação de toda a cadeia logística.

🔗 Leia o artigo completo de Tibério Pereira no LinkedIn: Tibério Pereira

Artigo escrito por Tibério Pereira – Consultor em Road Safety, SSMA e Logística | Redução de Sinistralidade e Custos Operacionais | Experiência em Esso, Cosan, Raízen | Implantação de Inovação em Grandes Embarcadores e Transportadora.

Leia outros artigos em nosso blog clicando aqui.

Referências:

Painel CNT de Consultas Dinâmicas de Acidentes Rodoviários – Confederação Nacional do Transporte, dados da Polícia Rodoviária Federal[2].

Anuário 2024 – PRF – Ministério da Infraestrutura/PRF (atualização de sinistros, feridos e mortos em rodovias federais)[4].

Relatório IPEA – Acidentes de Trânsito nas Rodovias Federais Brasileiras – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (análise de causas, impactos sociais e econômicos)[5].

Portal de Dados Abertos ANTT – Dados e recursos sobre acidentes em rodovias federais[8].

Boletim Anual de Sinistros de Trânsito em Rodovias – ANTT (informações detalhadas sobre acidentes, estatísticas e tendências)[1].

Artigos setoriais – Mundo Logística, IPTC (Panorama e estatísticas sobre acidentes no transporte de cargas)[3][7].


0 comentário

Deixe um comentário

Espaço reservado para avatar

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *