Motora AI

No último mês de junho, um grave acidente aéreo na Índia vitimou 260 pessoas. As recentes divulgações das investigações trouxeram à tona indícios de que um dos pilotos teria, intencionalmente, desligado a alimentação de combustível dos motores, reacendendo uma pauta já debatida no passado: a instalação de câmeras nas cabines das aeronaves comerciais e a segurança na aviação.

Embora esse tema tenha sido amplamente discutido no início dos anos 2000, pouco avançou diante do forte corporativismo entre os pilotos, cuja principal alegação sempre foi a supressão de privacidade e o risco de punições indevidas por parte das companhias aéreas.

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12/06/2025 | Acidente com Boeing 787-8 Dreamliner , em Ahmedabad

Trago essa discussão justamente porque, nesse aspecto, o setor rodoviário brasileiro despontou como exemplo de inovação. Em 2017, motivados inicialmente por segurança patrimonial, começaram os primeiros testes de monitoramento das entregas de combustíveis por caminhões-tanque através de câmeras.

Era apenas o começo de uma transformação estruturante. Desde então, essa iniciativa se desdobrou de forma extraordinária, permitindo uma gestão muito mais profissional e assertiva sobre a rotina dos motoristas — não sem desafios, afinal, tratava-se de uma profunda mudança de cultura.

Naquele contexto, empresas com gestão rodoviária mais avançada já apostavam em auditorias de rota para fiscalizar se os motoristas realmente seguiam as diretrizes de direção defensiva. A técnica demandava que dois colaboradores seguissem o veículo em um carro, monitorando discretamente o condutor.

Esse modelo, conhecido como blind check, consistia em capturar fotos e preencher formulários detalhados, posteriormente usados em reuniões de feedback com o motorista. Apesar de algum ganho, era um procedimento caro, pouco produtivo e com alcance restrito — raramente flagrava, por exemplo, o uso do celular ao volante.

Com o advento das câmeras, a visibilidade sobre o cotidiano dos motoristas foi ampliada de forma inédita. A crença consolidada de que não havia uma cultura de uso do celular ao volante, por exemplo, desmoronou diante das novas evidências tecnológicas. Rapidamente, foi preciso adotar uma postura de bom senso e transição, flexibilizando a regra do desligamento automático diante do flagra, sob risco de descontinuidade das operações. Adotou-se então uma gestão de transição, através de uma estratégia de educação profissional via andragogia.

Outros desafios logo surgiram:

Sindicatos e a privacidade: Alguns sindicatos de motoristas resistiram ao uso das câmeras por questões de privacidade. O modelo de monitoramento empregava quatro câmeras por caminhão: uma frontal, duas laterais voltadas à traseira e uma interna, automaticamente desligada junto ao motor para preservar privacidade durante o repouso.

Participei de reuniões sindicais que resultaram em consenso: a cabine, como ambiente de trabalho, segue o padrão de ambientes corporativos modernos, onde o uso de câmeras é a norma, exceto em locais como banheiros e quartos de hotel, por exemplo, voltados especificamente à privacidade.

A adoção das câmeras trouxe benefícios amplos e robustos:

  • Garantia de quantidade e qualidade da carga: A integração das câmeras com sistemas de rastreamento e telemetria proporcionou um salto em confiabilidade, reduzindo significativamente roubos e desvios de carga.
  • Investigação de acidentes: Tornaram-se ferramentas cruciais na elucidação de acidentes rodoviários. Recordo um caso emblemático, em que um grave acidente paralisou por mais de 8 horas uma rodovia vital de SP, com vazamento de produto e risco de prejuízo milionário. As imagens solucionaram o caso em minutos, poupando o transportador de um prejuízo que poderia chegar a R$ 60 milhões.
  • Avaliação do comportamento do motorista: O acompanhamento das imagens, ao vivo ou gravadas, possibilitou revisar comportamentos como uso de celular, alimentação ao volante, desatenção, excesso de velocidade, presença de caronas e objetos soltos. Essas evidências serviram de fundamento para treinamentos e evolução contínua dos motoristas no padrão de direção defensiva.
  • Quase-acidentes e cultura de reconhecimento: O monitoramento evidenciou os quase-acidentes evitados pelos motoristas (muitos deles decorrentes de falhas de outros condutores). Isso fundamentou programas de reconhecimento, premiando mensalmente motoristas com melhores práticas — um incentivo que envolveu líderes e direcionou o prestígio justo aos verdadeiros heróis das estradas.

Todo o processo foi acompanhado por assessoria jurídica, mantendo aderência à LGPD. Foram implementados protocolos rígidos sobre a confidencialidade das imagens, com punições e multas severas previstas em caso de compartilhamento indevido.

É evidente que aviação e transporte rodoviário são universos distintos. Mas, com a devida gestão de mudanças e respeito à privacidade dos profissionais, a adoção de câmeras na cabine de caminhões elevou significativamente o nível de segurança do modal rodoviário. Sem perder de vista os enormes benefícios para a gestão, a tecnologia pode — com a devida adaptação — contribuir para avanços também na aviação comercial.

📢 E você, como enxerga esse dilema?
👉 A segurança justifica abrir mão de parte da privacidade, ou é possível encontrar um caminho sustentável entre as duas?

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🔗 Leia o texto original do Tibério no LinkedIn: Tibério Pereira

Artigo escrito por Tibério Pereira – Consultor em Road Safety, SSMA e Logística | Redução de Sinistralidade e Custos Operacionais | Experiência em Esso, Cosan, Raízen | Implantação de Inovação em Grandes Embarcadores e Transportadoras

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