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Resumo: O artigo “Além da Velocidade: Por que a Segurança Viária no Transporte Exige uma Abordagem Sistêmica e Integrada” evidencia como a crença de que medidas focadas exclusivamente no controle de velocidade são a solução definitiva é um equívoco perigoso e custoso para o setor de transporte rodoviário, sendo a velocidade apenas um fator em um sistema complexo. O texto analisa a segurança viária sob a perspectiva multifatorial do “Sistema Seguro” (Safe System) — envolvendo o Usuário da Via (comportamento e fadiga), Veículo (tecnologia embarcada), Infraestrutura, Operações e Governança — e mostra que seus efeitos vão além da redução de acidentes, afetando a rentabilidade e a sustentabilidade das empresas. A conclusão reforça a necessidade de uma mentalidade proativa, baseada em dados e na responsabilidade compartilhada entre todos os stakeholders, para criar um sistema “que perdoa” os erros humanos.

1. O Diagnóstico: A Miopia do Foco Exclusivo na Velocidade

Propostas de segurança viária frequentemente orbitam em torno de uma única variável: a velocidade. A lógica parece simples: menor velocidade, menor gravidade nos acidentes. Embora verdadeiro, este raciocínio é incompleto e perigosamente simplista, especialmente no contexto brasileiro.

Medidas isoladas de controle de velocidade, como a instalação massiva de radares sem critério ou políticas punitivas desconectadas da realidade operacional, funcionam como tentar tapar furos em um balde que vaza por todos os lados. Os ganhos são marginais porque não endereçam as causas-raiz dos sinistros.

O cenário brasileiro agrava essa distorção:

  • Infraestrutura Deficiente: Rodovias com pavimento irregular, sinalização precária, traçados perigosos e falta de acostamento ou áreas de escape fazem com que a “velocidade segura” seja, muitas vezes, inferior à regulamentada.
  • Heterogeneidade: A mesma via é compartilhada por caminhões de última geração, veículos antigos, carros de passeio e motocicletas, cada um com dinâmicas de frenagem e estabilidade distintas.
  • Condições Operacionais: Jornadas extensas, pressão por prazos, falta de pontos de parada adequados e a complexidade da logística de cargas (perecíveis, perigosas, indivisíveis) criam um ambiente onde a fadiga e o estresse são fatores de risco predominantes.

Nesse contexto, um motorista pode estar trafegando abaixo do limite de velocidade e, ainda assim, estar em altíssimo risco devido a um pneu mal calibrado, pista molhada, baixa visibilidade ou cansaço extremo. O problema não é apenas a velocidade, mas a velocidade inadequada para um conjunto de condições dinâmicas.

2. O Modelo Multifatorial: A Abordagem de Sistema Seguro (Safe System)

A solução está em mudar a pergunta. Em vez de “quem errou?”, devemos perguntar “por que o erro aconteceu e por que ele resultou em dano?”. A abordagem de Sistema Seguro, endossada globalmente pela OMS e OCDE, parte de duas premissas: seres humanos cometem erros e o corpo humano tem uma tolerância limitada a impactos.

Portanto, a responsabilidade é criar um sistema que perdoa“, onde um erro não leve a uma fatalidade. A segurança emerge da interação de múltiplos componentes:

  • Usuário da Via: Fator humano (fadiga, distração, treinamento, saúde mental).
  • Veículo: Manutenção (pneus, freios), tecnologia embarcada (telemetria, ADAS), especificação para a carga.
  • Infraestrutura: Desenho da via, qualidade do pavimento, sinalização, iluminação.
  • Operações: Roteirização, janelas de entrega, política de gestão de fadiga.
  • Ambiente: Condições climáticas (chuva, neblina), período do dia.
  • Governança: Normas internas, fiscalização, indicadores (KPIs) e cultura de segurança.

A velocidade segura não é um número fixo, mas uma função dinâmica de todas essas variáveis.

“Todo acidente é evitável, e depende de todos os stakeholders que compartilham o mesmo ambiente.”

3. Responsabilidades Compartilhadas: Quem Faz o Quê?

A segurança não é um problema exclusivo do motorista ou da transportadora. É um ecossistema.

Tabela: Responsabilidade Principal - Elaborado pelo autor

4. KPIs e Governança: O Que Não se Mede, Não se Gerencia

A liderança precisa de visibilidade. Adote um painel de controle com KPIs claros:

  • KPIs de Resultado: Taxa de Acidentes por Milhão de km (e sua severidade), Custo Total de Sinistros por km rodado.
  • KPIs de Exposição: Índice de Comportamentos de Risco (eventos de telemetria por km), % de Jornadas em Conformidade com a Política de Fadiga.
  • KPIs de Processo: Aderência à Manutenção Preditiva (%), Taxa de Reporte de Near Misses.

Estabeleça um ritmo de gestão: reuniões mensais operacionais e revisões trimestrais com a diretoria, usando o ciclo PDCA (Planejar, Fazer, Checar, Agir) para garantir a melhoria contínua. Vincule as metas de segurança a bônus e contratos, inclusive com embarcadores.

5. Resposta a Objeções Comuns

  • “Basta multar mais”: Multas isoladas geram receita, mas não corrigem a causa-raiz. Um sistema que educa, previne e engaja é mais eficaz e sustentável.
  • “É muito caro”: O custo da não-segurança é muito maior: prêmios de seguro, indisponibilidade de ativos, passivos trabalhistas, danos à reputação e, o mais importante, vidas. O ROI de um sistema de segurança bem implementado é positivo.
  • “O problema é o motorista”: Culpabilizar o motorista é ignorar as falhas do sistema. Uma “cultura justa” (just culture) diferencia o erro humano da violação deliberada e foca em redesenhar a tarefa e o ambiente para minimizar a probabilidade e as consequências do erro.

6. O Modelo Americano - Safe System Approach (SSA)

A Safe System Approach (SSA), adotada pelo U.S. Department of Transportation, é um paradigma de segurança viária que cria múltiplas camadas de proteção para prevenir colisões e minimizar danos quando elas ocorrem. Em vez de focar apenas no “erro humano”, a SSA parte de duas premissas centrais: pessoas erram e corpos são vulneráveis; por isso, o sistema deve ser projetado para tolerar falhas sem resultar em mortes ou ferimentos graves. Esse enfoque marca uma mudança em relação ao modelo tradicional, combinando redundâncias e atuação proativa na identificação de riscos.

A abordagem se apoia em seis princípios:

  • Mortes e lesões graves são inaceitáveis;
  • Humanos erram;
  • Humanos são vulneráveis;
  • A responsabilidade é compartilhada entre projetistas do sistema e usuários;
  • A segurança é proativa; e
  • A redundância é crucial.

Esses princípios se traduzem em cinco eixos de ação que se reforçam mutuamente: Pessoas mais seguras, Vias mais seguras, Veículos mais seguros, Velocidades mais seguras e Atendimento pós-colisão. O objetivo estratégico é claro: reduzir a zero as fatalidades e lesões graves no sistema viário, articulando infraestrutura, comportamento humano, regulação e resposta a emergências.

Ciclo resumo do Safe System Approach

7. Conclusão: Uma Chamada à Ação para a Liderança

Líderes, a segurança viária não é um centro de custo, mas um pilar da excelência operacional e da sustentabilidade do negócio. A velocidade é importante, mas sozinha, ela não resolve a complexidade do desafio.

O convite é para que vocês patrocinem a transição de uma mentalidade reativa e focada em punição para uma abordagem proativa, sistêmica e baseada em dados. Assumam a liderança na construção de um ecossistema de segurança que proteja seus colaboradores, seu patrimônio e a sociedade. O caminho exige investimento, governança e compromisso, mas o retorno, em vidas salvas e em valor para o negócio, é incalculável.

👉 E você, já presenciou ou esteve envolvido em situações onde o cansaço ou a distração quase provocaram um acidente nas estradas?

Na sua opinião, o que poderia mudar essa realidade de forma mais eficaz — uma infraestrutura mais segura, uma gestão mais humana e realista das jornadas, o investimento em veículos com tecnologias ADAS, ou o uso de sistemas de IA que detectam fadiga e distração em tempo real?

Compartilhe sua visão nos comentários! Sua experiência pode inspirar novas práticas e ajudar empresas e motoristas a entenderem que prevenir riscos e investir em um Sistema Seguro é preservar vidas — e que a segurança começa com uma abordagem integrada e focada no cuidado.

🔗 Leia o texto original do Jean Xavier no LinkedIn: SPX Advisory

Artigo escrito por Jean Carlos Sperandio XavierConsultor Estratégico em Segurança Viária | Eficiência Operacional | Gestão de Riscos | Fundador da SPX Advisory.

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Referências:

ABRAMET (Associação Brasileira de Medicina de Tráfego). Estatísticas sobre fadiga e acidentes. https://www.cobli.co/blog/gestao-de-fadiga/

CNT (Confederação Nacional do Transporte). Pesquisa CNT de Rodovias e Painel de Acidentes. https://cnt.org.br/acidentes-rodoviarios-infraestrutura

Governo do Brasil. Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (PNATRANS) e a abordagem de Sistema Seguro. https://www.gov.br/transportes/pt-br/assuntos/transito/pnatrans/sistema-seguro-e-visao-zero

IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Estudos sobre custos e causas de acidentes de trânsito. https://www.ipea.gov.br/portal/mestrado-profissional-em-politicas-publicas-e-desenvolvimentodesafios/index.php?option=com_content&view=article&id=3211&catid=29&Itemid=34

ISO 39001:2012 – Sistemas de gestão da segurança viária (SV) — Requisitos com orientações para uso. https://www.edenred.mx/blog/iso-39001-que-es-y-su-importancia-en-el-transporte

OCDE/ITF (Fórum Internacional de Transportes). Relatórios sobre “Safe System”.

OMS (Organização Mundial da Saúde) / OPAS. Manuais sobre Gestão da Velocidade e Segurança Viária. https://www.paho.org/pt/topicos/seguranca-no-transito

U.S. Department of Transportation. “Safe System Approach”. https://www.transportation.gov/safe-system-approach


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