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Resumo: O transporte rodoviário brasileiro, responsável pela maior parte da movimentação de cargas e pessoas no país, enfrenta um desafio estrutural: a alta taxa de acidentes e sinistros, que impactam não apenas a segurança das vidas humanas, mas também a eficiência operacional e a competitividade das empresas. Neste contexto, a maturidade em segurança viária deixa de ser apenas um requisito normativo e se consolida como um pilar estratégico de performance. A construção dessa maturidade envolve a combinação de processos robustos, cultura organizacional orientada à segurança, adoção de tecnologias de monitoramento inteligente e engajamento ativo de motoristas e gestores de frota. O artigo analisa como empresas que atingem níveis mais elevados de maturidade em segurança conseguem não só reduzir riscos e custos, mas também fortalecer sua reputação, atrair novos clientes e consolidar-se como referência no setor. Mais do que cumprir requisitos, trata-se de transformar a segurança viária em diferencial competitivo e valor inegociável para todo o ecossistema do transporte rodoviário.

Introdução

O transporte rodoviário é a espinha dorsal da economia brasileira, movimentando a maior parte das cargas e passageiros em todo o território nacional. Contudo, essa vitalidade vem acompanhada de um desafio persistente e alarmante: a segurança viária. Dados da Confederação Nacional de Transportes (CNT) revelam uma realidade preocupante, com uma média diária de 14 mortes e 190 acidentes nas rodovias federais. Em 2018, o país registrou 69.206 acidentes, dos quais 53.963 resultaram em vítimas, culminando em 5.269 óbitos .

Para empresas de transporte rodoviário, a segurança viária transcende a mera conformidade regulatória; ela se configura como um pilar estratégico fundamental para a sustentabilidade e o sucesso do negócio. Este artigo técnico visa explorar como o conhecimento e a elevação do nível de maturidade de uma empresa em segurança viária podem impactar positivamente sua performance operacional e financeira, com foco especial na importância da observância do comportamento humano no processo de condução veicular.

O Conceito de Maturidade em Segurança Viária

A maturidade em segurança viária de uma empresa de transporte rodoviário vai muito além do simples cumprimento de normas e regulamentos. Ela representa o grau de evolução da organização na gestão proativa e integrada dos riscos relacionados à segurança nas estradas. Em vez de reagir a acidentes, uma empresa madura em segurança viária antecipa, previne e cultiva uma cultura onde a segurança é um valor intrínseco.

Podemos adaptar o conceito de níveis de maturidade de cultura de segurança para o contexto da segurança viária, descrevendo a jornada de uma organização desde uma postura reativa até uma abordagem proativa:

  • Patológico: A segurança é vista como um fardo. As regras são ignoradas, e a responsabilidade por acidentes é sempre atribuída a terceiros.
  • Reativo: A empresa reage aos acidentes após sua ocorrência. Medidas de segurança são implementadas apenas como resposta a incidentes.
  • Calculista: A segurança começa a ser gerenciada de forma estruturada, com coleta de dados e análise de riscos.
  • Proativo: A segurança é vista como um valor fundamental. Há esforço contínuo para identificar e mitigar riscos antes que se materializem.
  • Generativo: A segurança é intrínseca ao DNA organizacional. Todos se sentem responsáveis pela segurança, com aprendizado contínuo e inovação.

Identificar o nível de maturidade atual da empresa é o primeiro passo para aprimorar a segurança viária através de auditorias, análise de KPIs relacionados a acidentes e avaliação das práticas de gestão de riscos.

Abordagem dos Perfis de Maturidade em Segurança Viária

1. Patológico

No estágio patológico, a organização trata a segurança como um obstáculo, encarando-a apenas como algo a ser evitado ou escondido. A mentalidade predominante é: “Desde que não sejamos pegos, tudo bem.” Neste contexto, não há interesse genuíno em prevenir acidentes; o foco está em atender minimamente à regulamentação ou, pior, ignorar problemas deliberadamente.

2. Reativo

No nível reativo, a segurança só recebe atenção após a ocorrência de um incidente. A percepção é de que “segurança é importante, mas só agimos quando algo dá errado”. A organização atua de forma corretiva, aplicando medidas apenas depois que os problemas já ocorreram, sem adotar uma postura preventiva consistente.

3. Calculista

No patamar calculista (ou burocrático, conforme a terminologia original de Westrum), a empresa passa a coletar dados e estruturar sistemas de gestão e indicadores. A segurança é tratada com seriedade, mas ainda baseada na capacidade de controle por meio de processos e estatísticas. Há um esforço para estruturar processos, porém ainda prevalece uma visão mais normativa e menos cultural.

4. Proativo

Organizações que alcançam o nível proativo já enxergam a segurança como valor central. Buscam antecipar riscos, cultivam cultura preventiva, investem em treinamentos, tecnologias e no engajamento da equipe. Em vez de reagir, essas empresas agem para evitar que incidentes aconteçam, demonstrando maturidade organizacional e gestão de riscos mais eficaz.

5. Generativo

No topo da maturidade está o perfil generativo, marcado por uma cultura de segurança incorporada ao DNA da organização. Todos os níveis hierárquicos se sentem responsáveis pela segurança, há inovação contínua e aprendizado constante. Empresas neste estágio se assemelham às chamadas “High Reliability Organizations” (HROs), com desempenho exemplar e consistente em ambientes de alto risco.

Nota: O “Kick-off point for Safety Cultures” indica que só a partir do estágio calculativo é possível começar a falar realmente em “cultura de segurança” como parte da identidade organizacional, pois antes disso os valores e práticas ainda não estão suficientemente internalizados.

O Comportamento Humano: Fator Determinante na Segurança Viária

No complexo ecossistema do transporte rodoviário, o fator humano emerge como o elemento mais crítico quando se trata de segurança viária. A observância do comportamento humano no processo de condução veicular é determinante para a prevenção de acidentes, e sua negligência pode ter consequências devastadoras, tanto em vidas quanto em recursos financeiros.

Estatísticas consistentemente apontam o comportamento do motorista como a principal causa de acidentes de trânsito. Fatores como fadiga, distração (uso de celular), excesso de velocidade, desrespeito às leis de trânsito e imprudência contribuem significativamente para a ocorrência de sinistros. Um estudo da CNT destaca que, embora acidentes com caminhões representem uma parcela menor do total, eles geram riscos ainda maiores devido ao porte e características desses veículos.

Conforme destacado em uma publicação da Motora.Ai, é fundamental diferenciar dois conceitos essenciais: ‘safety’ e ‘security’. Enquanto ‘security’ se refere à proteção patrimonial, ‘safety’ diz respeito à proteção física das pessoas. Embora o mercado ofereça inúmeras soluções para a segurança patrimonial, a ‘safety’ precisa ser tratada com igual ou maior prioridade. Um acidente com vítimas humanas gera perdas incalculáveis e custos que vão muito além dos danos materiais.

Para as empresas de transporte, monitorar a conduta dos motoristas é atuar com estratégia, com foco direto na perenização do negócio, na responsabilidade social, através da redução de custos operacionais, fortalecimento da imagem corporativa, conformidade regulatória e da capacidade de gerar atratividade para com engajamento e desenvolvimento dos profissionais que atuam no negócio, ou seja, uma estratégia de gestão inteligente. Um acidente pode gerar perdas humanas, sequelas e custos elevados, incluindo multas, indenizações, perda de produtividade e danos à reputação.

Além do investimento em monitoramento humano da direção veicular é fundamental atuar ativamente na gestão dessa massa dados que é gerada por todo o arcabouço tecnológico, elencando ações reais que busquem resultados reais.

Impacto Positivo na Performance Operacional

Uma empresa que eleva seu nível de maturidade em segurança viária colhe benefícios significativos que se traduzem diretamente em melhorias na performance operacional. A redução de acidentes e incidentes significa menos veículos parados para reparos, maior disponibilidade de ativos e otimização da frota e da logística. Uma frota mais segura é uma frota mais fluida e produtiva.

A segurança viária aprimorada contribui para a melhoria da reputação da empresa e da satisfação do cliente. Clientes valorizam parceiros que demonstram compromisso com a segurança, pois isso reflete confiabilidade e responsabilidade. Uma reputação sólida em segurança pode ser um diferencial competitivo importante.

A segurança impacta diretamente a produtividade dos motoristas. Um ambiente de trabalho seguro reduz o estresse e a ansiedade dos condutores. Motoristas que se sentem seguros tendem a ser mais engajados, focados e produtivos. A diminuição de acidentes também significa menos afastamentos por lesões, garantindo a continuidade da equipe.

Impacto Positivo na Performance Financeira

O investimento na gestão estratégica da segurança e eficiência operacional revela-se um poderoso motor de otimização financeira. A redução de custos diretos é um dos benefícios mais tangíveis, evitando despesas com multas, indenizações, reparos de veículos e despesas médicas. A diminuição de acidentes resulta na redução de custos indiretos, incluindo perda de carga, interrupção do serviço e atrasos nas entregas.

Uma cultura de segurança robusta contribui para a atração e retenção de talentos. Motoristas profissionais preferem empresas que demonstram compromisso genuíno com a segurança. A rotatividade de motoristas é um custo significativo, envolvendo despesas com recrutamento, seleção e treinamento. Destaca-se aqui o cenário nacional de queda estrutural no volume de motoristas profissionais, em especial na ultima década, o que obriga todos os stakeholders a elevar o nível de prioridade sobre esse profissional, um ativo cada vez mais raro e precioso nas organizações.

A segurança viária impacta a valorização da marca e a vantagem competitiva. Empresas reconhecidas por sua excelência em segurança constroem uma imagem positiva no mercado, atraindo novos clientes e investidores. A segurança se torna um diferencial que posiciona a empresa à frente de seus concorrentes.

Estratégias para Elevar a Maturidade em Segurança Viária

Elevar o nível de maturidade em segurança viária exige comprometimento da liderança e implementação de estratégias multifacetadas. A implementação de sistemas de gestão de segurança viária (SGSV) fornece estrutura para identificar, avaliar e controlar riscos de segurança.

O uso de tecnologia para monitoramento e análise de dados é essencial, mas somente isso não fará todo o trabalho, já que o “ator principal”, o motorista, é agente detentor da ação, tornando a imprevisibilidade do comportamento humano um risco real e relevante durante todo o processo operacional.

Ferramentas como telemetria avançada, sistemas de IA para análise de comportamento do motorista e câmeras embarcadas contribuem na coletar dados em tempo real sobre o desempenho da condução. O que possibilita analises estruturadas, identificação de riscos de forma estruturada e o amadurecimento do negócio para uma gestão de segurança viária pautada em modelos preditivos.

Treinamentos, um pilar essencial

Programas de treinamento e desenvolvimento contínuo para motoristas são cruciais, com foco no comportamento. Treinamentos sobre direção defensiva, gestão de fadiga e riscos da distração são indispensáveis. A cultura organizacional de segurança é o alicerce de todas as estratégias, exigindo compromisso inabalável da liderança. Mas, precisa haver inteligência no processo de levantamento de necessidades de treinamento, sempre buscando atuar os pontos de fragilidade detectados no mapeamento de riscos, ponderado aqui a urgência e a tendência dessas ações.

Planejamento rotas como ferramenta de antecipação

A análise de riscos e o planejamento de rotas seguras são práticas operacionais essenciais para elevar a maturidade em segurança. A avaliação criteriosa das condições da estrada, do clima e do tráfego possibilita decisões mais assertivas, apoiadas pelo conhecimento acumulado sobre as regiões de operação. Ter dados e não utilizá-los equivale a não possuí-los, ou pior, significa negligenciar prevenções possíveis. Operar sem conhecer é transformar a negligência em seu ápice.

Conclusão

A cultura de segurança, quando plenamente desenvolvida, deixa de ser um conjunto de procedimentos e controles para se tornar um valor intrínseco, incorporado às crenças, decisões e práticas diárias da organização. O avanço rumo aos estágios mais maduros, especialmente o generativo, exige um processo contínuo e estruturado de mudança, no qual a conscientização, o envolvimento genuíno das pessoas e a internalização dos valores de segurança são indispensáveis. Barreiras como o conforto burocrático, limitações regulatórias, falhas de gestão e a complacência após o sucesso precisam ser ativamente enfrentadas.

Os estudos demonstram que investir em cultura de segurança não apenas reduz riscos e incidentes, mas também gera retorno financeiro, melhora a comunicação e otimiza recursos. Organizações que alcançam níveis elevados de maturidade operam com segurança como parte natural de sua identidade, garantindo desempenho consistente mesmo em cenários complexos e de alto risco. O verdadeiro diferencial está em transformar a segurança de uma exigência formal para uma vantagem estratégica sustentável, capaz de proteger vidas, fortalecer a reputação e impulsionar resultados de longo prazo.

Financeiramente, os benefícios são claros: redução de custos diretos e indiretos, atração e retenção de talentos, valorização da marca e conquista de vantagem competitiva. Para empresas de transporte rodoviário, a mensagem é inequívoca: a segurança viária é um investimento inteligente que pavimenta o caminho para um futuro mais próspero, eficiente e seguro.

👉E você, como enxerga a maturidade em segurança na sua operação? Compartilhe sua visão nos comentários e vamos fortalecer esse debate.

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Artigo escrito por Jean Carlos Sperandio XavierConsultor Estratégico em Segurança Viária | Eficiência Operacional | Gestão de Riscos | Fundador da SPX Advisory

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Referências

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